A indústria da Cura (doc Netflix)

Vira e mexe aparece algum documentário ou série bacana sobre terapias e autoconhecimento na Netflix. A mais recente, “A Indústria da Cura” ((Un) Well no original), fala sobre a apropriação de ferramentas de autodesenvolvimento e medicinas naturais para o lucro desenfreado.
Eu vi os episódios sobre Óleos Essenciais, Tantra e Ayahuasca, que são práticas que já passaram pelo meu universo sobre as quais posso falar com mais propriedade, já que vejo coisas que me maravilham e outras que irritam. Com as demais (leite materno, veneno de abelha e jejum) eu pouco ou nada tive contato.
Vou escrever um texto específico sobre cada um dos que citei, mas quero deixar aqui registradas minhas impressões gerais sobre a série.

Quando vi o lançamento, pensei logo que era mais desse clichê “astrologia é o terraplanismo socialmente aceito” que vem se espalhando a partir do “racionalismo anti-jovem místico”. Perfis que estão tentando mostrar por um ponto de vista “científico” como todas as terapias e práticas holísticas / integrativas são uma farsa praticada por abusadores e charlatões.
Essa série veio dar um alento, porque mostra o que tanta gente vem tentando explicar: há nuances, há usos e usos.

O que achei bacana é que diferentes pontos de vista são mostrados: dos benefícios do uso equilibrado ao abuso, com denúncias de atividades que acabaram mal. Sempre há um especialista, uma pessoa com o olhar científico, há alguém ou uma marca que faz uso indiscriminado, há um meio termo que a gente não sabe muito bem o que pensar e há os bons resultados que comprovam que utilizadas eticamente, são práticas muito eficazes.

Há casos distintos sendo tratados ali, e nem sempre a apropriação é apenas pelos donos do capital. No caso da ayahuasca, por exemplo, pequenos produtores peruanos fazem o preparo e atraem uma massa de turistas em busca da cura, sem qualquer filtro ou cuidado. Isso gerou o caso extremo do assassinato de uma xamã peruana por um turista canadense, que despertou a atenção para o comércio em plena rua. E é forte uma outra passagem em que uma frequentadora de um espaço no EUA, que faz anamnese, exames e cobra um valor altíssimo para espantar curiosos, passa mal e fica confusa sobre a efetividade do chá, enquanto no mesmo trabalho, uma mulher com trauma profundo enxerga o “amor”.

O tantra é abordado desde a concepção original, matriarcal, de ser um caminho que reconhece o corpo como ferramenta para evolução, até o uso (lamentável) como sinônimo de práticas sexuais para o hiper orgasmo, e que associadas a um olhar “espiritual”, dão espaço para figuras de poder que se reconhecem como mestres abusarem de participantes de vivências. Também traz esse meio termo que confunde, porque apesar de não me agradar a forma como uma terapeuta age e se apresenta ali, é possível ver um impacto gigantesco no homem que ela atende.

O caso dos óleos essenciais é o que mais foi apropriado pelo “mercado”, com marcas como a DoTERRA e a Young Living, que incentivam o uso indiscriminado especialmente para a ingestão, e um esquema de marketing multinível, em que cada cliente vira um revendedor em potencial. É simplesmente assustador ver a imagem de um estádio lotado de revendedores a la Hinode, que comercializam esses extratos que são altamente concentrados e, como o próprio episódio mostra, nada livres de efeitos colaterais.

Na hora em que via tudo aquilo, minha cabeça girava. Num mundo cada vez mais doente e, ao mesmo tempo, mais atento para a necessidade de cura, a gente deve ver cada vez mais confusão. Porque a busca aumenta, as práticas charlatãs aumentam e isso gera descrença em uma parte das pessoas “racionais”, as que teriam condições para trazer uma visão mais elaborada (como a desta série) com os prós e contras das terapias integrativas. Do outro lado, todo um mercado da doença, que não está interessado no autocuidado, na observação de si, porque a doença crônica da vida cotidiana é a coisa mais rentável que há – inclusive para os terapeutas holísticos.

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