Amar o mar

janela para o mar
Vizinhos

Desde pequena ele estava lá. Na obrigatoriedade das férias, no sal seco misturado com o suor de dormir no sofá enquanto o almoço não saía, porque não queria tomar banho.
Na crise da adolescência, deu-se o rompimento: não fazia qualquer sentido tanta gente em volta dele, formando cardumes de palitinhos de sorvete, perdendo as crianças em meio ao caos. Era o centro do Guarujá, no verão.

Ia para lá todas as férias e quase todos os finais de semana, mesmo os frios. Da família paterna, apenas a gente não tinha casa ou apartamento na cidade. Então, viajar era como estar em casa, só que na outra (já adulta, desejei imensamente que o governo desapropriasse todos aqueles apartamentos de veraneio vazios, inclusive o da minha avó, para dar casa a quem precisava dela, e encher aquela cidade fantasma de almas).

A cereja do bolo, no entanto, era sair da praia e ir para o mar. Às vezes íamos para a marinas onde meu tio e padrinho tinham casa.
Achava incrível que uma pessoa pudesse “estacionar” o barco em frente ao jardim, ali ao lado da piscina (no começo achava mais incrível ainda ter uma piscina a mais, pra gente do meu parco tamanho). A casa do meu padrinho era feita de mar. Espaçosa, arejada e sempre tinha Skibom no freezer lá de fora.
Com o tempo, todo mundo vendeu os imóveis. Não sei o que foi feito dos barcos, nem da casa feita de mar.

Espelho, espelho meu!

Apesar de ter morado quase um ano em Florianópolis, não tinha entendido que a minha busca era por ele. Falava o mesmo já aqui no Rio de Janeiro. No meu primeiro ano, morando em Santa Teresa (ou seja, longe da praia), pisei na areia umas duas vezes, e repetia: sal, areia e sol são combinação de terror.
Na verdade, ainda não gosto de “ir à praia”. Não vejo sentido em ficar sentada na areia por horas a fio, tostando. Mas não sei mais viver sem caminhar com os pés na água, mesmo congelante (confesso que nesses momentos ainda não nos damos muito bem. Do tornozelo, não passo).
Na beira a água, penso sem precisar pensar. É algo que chega a ser sobrenatural. É como apertar um botãozinho para que os arquivos corram para suas prateleiras, que as sinapses aconteçam e a gente mal perceba.

Já no calçadão, é mais fácil refletir sobre temas que me proponho. Em dias mais inspirados, me dou prazos: a solução tem que aparecer até o posto 11. No 10, já preciso ter encaminhado a solução para uma proposta de ação. E assim vai. Na volta, porém, fica mais difícil me concentrar: acelerado, o pensamento entorpecido de maresia começa a ter vida própria. É nessas horas, já de frente pra o Vidigal, que ele costuma me soprar minhas melhores ideias.

O mar foi daqueles amores esfregados na cara, que a gente não vê. Mas agora, não imagino como estar longe: moramos um de frente para o outro novamente, e ele me trouxe a paz, me faz companhia. Neste momento, está aqui do meu lado direito, balançando de um lado para o outro por causa do vento.

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